Disciplina - Educação Física

Educação Física

09/09/2013

Fonogramas e etnografias dos cantos da capoeira

Por Leonardo Abreu Reis

Do século XIX, poucas informações nos chegaram sobre os cantos da capoeira; eles aparecem principalmente como provocações entre grupos, a exemplo do canto registrado por Plácido de Abreu (1857-1894) no livro Os Capoeiras, de 1886, abordando especificamente o confronto entre as maltas do Rio de Janeiro em meados daquele século.


Os guaiamuns cantavam:

“Terezinha de Jesus,

Abre a porta, apaga a luz

Quero ver morrer nagôa

Na porta do bom Jesus”

Os nagoas respondiam:

“O castelo içou bandeira

São Francisco repicou

Guaiamu está reclamando

Manoel preto já chegou” (ABREU, 1886)


Esses confrontos foram marcantes na capoeiragem carioca do século XIX.


Envolviam rivalidades pessoais ou políticas, muitas vezes relacionadas à demarcação de territórios urbanos que evoluíram a partir da ocupação do solo por escravos de ganho ou por grupamentos identitários e suas moradias. As maltas, pequenas e espalhadas pela capital da colônia na primeira metade daquele século, alcançaram, no final, uma organização maior e passaram a polarizar duas facções rivais. Os nagôas eram possivelmente africanos ou descendentes diretos, alguns vindos da Bahia. Ocupavam a região conhecida como Pequena África, nos arredores da Praça XI – naquele tempo, um dos limites urbanos da cidade.


Declaravam apoio ao monarquismo representado pelo partido Conservador e identificado com o movimento abolicionista. Já os Guaiamuns, eram a malta formada principalmente pelos naturais da cidade, identificados como mestiços.


Ocupavam a região central da cidade e prestavam serviços aos políticos do partido liberal, identificados com os ideais republicanos (SOARES, 1998).


Como vimos no primeiro capítulo, o conflito entre grupos rivais era a principal face da capoeira durante o século XIX, quando atos criminosos de toda espécie eram identificados pelo termo.


Acreditamos que, se os registros relatam a musicalidade nesses momentos de confronto, não podemos, pela falta de relatos sobre o convívio menos espetacular dos capoeiristas, negar sua presença em momentos anteriores. Nas imagens e nos relatos desses viajantes, acompanhamos diversos momentos em que a presença de instrumentos sugere o acompanhamento musical, muito provavelmente com cantos. Mais adiante veremos como a música se relaciona profundamente com a capoeira, e como é difícil acreditar que não houvesse vínculos em suas manifestações anteriores à virada para o século XX, ou que apenas os modelos baianos desenvolvidos nesse período comportassem tal elemento. Como a face mais evidente da presença da capoeira no seio da sociedade, os conflitos entre as maltas foram descritos em diversas oportunidades, principalmente nas crônicas jornalísticas. Também ganharam a literatura, de onde podemos retirar os pormenores romantizados da presença de manifestações musicais que, em conjunto com outros elementos estéticos e simbólicos, corroboravam as disputas. Nesse aspecto, encontramos a narrativa de Aluísio de Azevedo no livro O Cortiço, a batalha entre a malta dos carapicus, formada por moradores do cortiço São Romão, e os rivais, cabeças-de-gato, que habitavam o cortiço homônimo, revela os detalhes de um confronto entre pequenas maltas. Os Nagoas e os Guaiamuns, também possuíam distintos modos de vestir, bebidas interditadas e cores representativas. Também nas maltas do romance os símbolos reforçavam a identidade beligerante: “Em meio ao pátio do Cabeça de Gato PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510609/CA87 arvorava-se uma bandeira amarela; os carapicus responderam logo levantando um pavilhão vermelho. E as duas cores olhavam-se no ar como um desafio de guerra”. (AZEVEDO, 1997, p. 152)




Este conteúdo faz parte do capítulo Fonogramas e etnografias dos cantos da capoeira presente na  tese "Cantos de capoeira: fonogramas e etnografias no diálogo da tradição", acessado em 06/09/2013. Para ler o trabalho na íntegra acesse no site:  www2.dbd.puc-rio.br/. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.


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